segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Homenagem a meu pai em seus 86 anos

herdade


teu pigarro
tua morosidade
teu cigarro
tua comodidade

teu desejo sereno, silencioso
tua resignação
teu bocejo, terreno arenoso
tua solidão

remetiam-me todos
ao teu dia de morte
em que amaria
ouvir teu pigarro
apagar-te o cigarro
não ter-me irritado assim

e eu seria dono de nas noites
todas as tosses
e das manhãs herdaria teu
amigo emudecido, o chimarrão

em todas as bonanças absorveria
tua calma —
nossa eterna placidez!

(não precisas deixar-me
a frieza... a indiferença
dá a teu primogênito
deita a outro e/ou a outro
tua limitosa e eterna paciência e... ah!
desprograma
a mansidão
a lerdeza
a moleza
e todo ruim de então)

Mas já não te cherarei em nenhuma ala
de nenhum fumante
de nenhum avião
— embora sabendo
que nada levarás
que for chimarrão —,
certo de encontrar-te
na casa dAquele que soprou tua fumaça
e ao decepar o teu deus te deu um Amigo.
tu son


De Fabiano Medeiros (1989)

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