segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Mãe, poema de J.T.Parreira


Era a morte envergonhada
escondida nestes rostos
tão próximos do chão
pequenos corpos, um dia saberemos
como a morte com sapatos precários
caminhou nestes corpos infantis
como a morte se vergou
nestas costas ao peso
do inverno
Era a morte já tão arruinada
nestas roupas, um dia saberemos
como foram lentos os seus passos
a querer retardar a pressa
dos relógios.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

NADA ONDE POUSAR O SONHO


Não tendes
nada onde pousar o sonho
nem guitarras
em que os dedos se exerçam
fados e mornas
a que deis as vozes

não há taças
para brindar com o vinho de outros
travessas
onde dispor a fome que é vossa

onde se encobriram de vós
do alcance dos vossos lábios?
da ilusão que vos deixaram
no lugar onde guardáveis o coração?

Não tendes nada
nem um pedestal
para repouso das estátuas
em que se fizeram
os vossos corpos as vossas mãos
nem o mármore com que as esculpais

porque afinal não possuis o sonho
fugiu-vos
como de um urso selvagem
virou-vos a face
ao ver em vós a face esconsa do leproso
ou o fluido turvo da vómito
um resto de vinho rasca
escorrente das vossas barbas em ressaca lenta
da falta de sonho de música e canto

sem nada onde pousar o sonho
mas com tudo onde pousar
o tudo que é vosso,
que a bófia e os cães vadios
vos não arrancaram,
que os astros vos não arderam
só o sono, um imenso e dolente
sono

Rui Miguel Duarte
6/11/10

Publicado na antologia Nada onde pousar o sonho, dedicada ao combate à pobreza e exclusão social (Lisboa, Desafio Miqueias 2010).

sábado, 22 de janeiro de 2011

Poema, de Florbela Ribeiro

A memória desfolha
um corpo à míngua
O olhar descurado
embebeda-se
com as cores do entardecer
Desprotegido
é todo o coração
debaixo do sol.
O pesar
mina a pedra do descanso
esfria a habilidade
a história
e o porvir que anoitece

Florbela Ribeiro®

Nada Onde Pousar o Sonho, pág 32
Desafio Miqueias

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

À SOMBRA DA FIGUEIRA

“«Antes de Filipe te chamar, quando estavas debaixo da figueira, já eu te tinha visto», respondeu-lhe Jesus.

Evangelho de João, 1:48


À sombra da figueira busca

a raiz do Livro da Lei

à sombra da lei da árvore de Israel

medita no lume aceso pelos cordeiros

no Templo na menorah que arde


à sombra da figueira

come a trama dos dias

e conhece de cor o aroma dos frutos


pastoreia os pensamentos tange-os

das letras para longe deste campo

passeia pelo Mar que o Senhor

fez os pais atravessarem

sem que uma gota de água

lhes molhasse os pés

e põe a mão sobre a cabeça

do último egípcio que ainda respira à tona


à sombra da figueira

faz morada no salão do palácio

onde crepita a voz e o ceptro

do Rei, o Messias que o povo espera

constrói um reino e desfaz impérios


Rui Miguel Duarte

11/01/11

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