terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Nos dois mil anos da morte de Judas


Michael Coock


Nos dois mil anos da morte de Judas

Fui vendido
por trinta moedas de afeto

deceparam meu braço amigo com um sabre cego
desses de sicário, de uma alegoria de escola de samba
pelo suave sumo do sonho (e as monoaminas*)
que sobejam em meu fel sanguíneo.

Em maio faço 35 anos.

Ainda não aprendi a ganhar dinheiro.

Queria morrer neste ano gregoriano de 2013 e
não sei que será de minha poesia
daqui a dez anos,
se escreverei sobre a dor de Deus
ou sobre a minha.
Mas se sobreviver sei que persistirei
em biografar a dor onde quer que ela esteja,
como um imigrante turco em Dresden
fazendo o serviço sujo nas latrinas do Reich aniquilado.
E escreverei sobre aniquilação biológica promovida
pela Guerra Civil Chinesa (a Segunda), e marmelos e a mandrágora,
a quem nunca fiz poema.

Queria partir. Hesito; meu Pai é um abraço sem fim,
um acumular de patentes. Sarça que queima
 meus pedidos de baixa, Deus que protela e indefere,
sob os sorrisos de meu Advogado, paciente em seu amor.
Ele delega missões: redigir memorandos,
reconduzir almas erradias,
a captura dos que assassinaram a Lua
ou os dois filhos adolescentes de dona Maria, a vizinha.

Discípulo de Borges,
não sigo o calendário gregoriano,
mas o dos Cabalistas Negros de Kiev. Por ele,
Judas morreu faz dois mil anos,
tomando a forma de mundo. Nele


fui vendido
por trinta moedas de afeto.

Sammis Reachers
*Monoaminas são substancias bioquímicas derivadas de aminoácidos através do processo de descarboxilação. As principais monoaminas são as catecolaminas (a saberdopamina,  norepinefrina, epinefrina), originadas da Tirosina; a serotonina derivada da triptamina e a histamina que vem da histidina.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

THE MYTH THAT CAME TRUE

THE MYTH THAT CAME TRUE


                                                A C. S. Lewis

desde a primeira tarde do primeiro dia
da primeira hora irrompeu o som cavo
de histórias antigas, já antigas
quando foram contadas

pela voz do pregoeiro o raio de sol
trazia cores de um novo dia o rasto
de um novo século, o altar falava
em nome de um Cordeiro de carne e sangue

o papel em que o mito foi inscrito
era a folha que declarava
que depois da pedra o ramo daria o fruto

Rui Miguel Duarte
24/02/13

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

SALMO ALTAMENTE LEIGO



Elevo os meus olhos para os montes
lá onde os abetos se abrem
como abraços
uns para os outros


e tenho regatos a correr
ao fresco nos ouvidos, arcos de água
rápida sobre as pedras


brilha
o dia com o sol nos meus cabelos
e à noite não há vultos
porque a lua permanece de pé
no meio da escuridão
entre a linha luminosa das estrelas.


© João Tomaz Parreira

domingo, 3 de fevereiro de 2013

DEIXEM


“Jesus, no entanto, disse: «Deixem as crianças vir ter comigo! Não as estorvem, porque o reino dos céus é dos que são como elas.»
Ev. Mateus 19:14


Deixem as crianças vir
equilibradas num pé
periclitantes nas cordas da dança

deixem-nas vir com a voz
nos acordes de uma tocata e fuga
não lhes coloquem armaduras de frente
não lhes prendam as mãos com tenazes
que têm de tocar o vento

deixem-nas vir com as mãos
trazer o rio no abraço
elas conhecem o concerto
das ondas ao rastejarem
pelas pedras suaves
conhecem o burburinho
que a corrente traça
ao beijar o tronco
dos que nela se lavam

deixam-nas vir de rostos
abertos sem manchas
eles vêm com a macieza dos risos


Rui Miguel Duarte
4/02/13




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