terça-feira, 29 de dezembro de 2015

ORAÇÃO FEITA PARA UM ESPELHO



(Lc 18:11-12)

Graças te dou, a Ti, que estás desse lado
porque não sou como os outros, A minha ganância
é comedida,  A minha  justiça é de pedra
Não sou adúltero, A não ser comigo mesmo
e com a minha beleza, Jejuo
para fazer compreender ao pobre que a fome
nos disciplina o corpo, Dou o dízimo de tudo
dos meus dez dedos, um
é teu e serve para apontar o erro alheio, Dos outros
não há ninguém que não seja publicano.

29-12-2015


© João Tomaz Parreira 

sábado, 26 de dezembro de 2015

REPOUSO

Si l'enfant repose,
Un ange tout rose,
Que la nuit seul on peut voir,
Viendra lui dire "bonsoir!"

Marceline Desbordes Valmore (1786-1859)

Ao menino que dorme
um anjo cobre e faz sombra
as asas trazem a estrela e depositam-na
no berço que não te alenta

cobre com as alturas dos hosanas
o rugido dos leões e o silvo das espadas
dos inimigos que arrefecem o ar
com ameaças de morte ao menino

vem aquietar o coração dos pais
dizer-lhes que a noite é amiga
nela se aperfeiçoam os perfumes
que nos chegam na viragem do dia

dorme bem — diz — menino,
hosana, repousa dos trabalhos,
depois do morticínio
estenderão as tuas mãos a paz

Rui Miguel Duarte
24/12/15

domingo, 29 de novembro de 2015

O PAI NOSSO


(O Angelus, Jean-Françoise Millet)


É o começo de uma bela amizade, nenhuma
outra é mais perfeita, sem impaciências
de Quem escuta com o coração.  Não sente o vão orgulho
de ter um reino, um nome sobre todo o nome
a sua vontade é o que Deus sente: Amor
assim na terra como no céu.  Pela sua mão
o pão distribuído na frescura das manhãs
sem esperar nada senão o nosso rosto
voltado para o seu, a nossa alma lavrada
pelo arado da Palavra, a nossa vida
como um fruto dos seus dedos. Ámen.   

29-11-2015

© João Tomaz Parreira


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

REGRESSO A OLISSIPO

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“Heureux qui, comme Ulysse, a fait un beau voyage…”
Joachim du Bellay (1522-1560)

Terá Ulisses visto fumegar a carne assando
subir acima das nuvens que submergiam a visão?
Por onde navegou ele entre Circe a a dormência

das ondas, que o embalavam para um lado e outro?
aspirava rever da aldeia a sombra
da casa que os seus maiores construíram
e cada onda empurrando a balsa

é um tijolo que refaz a memória da casa
do azul incandescente surgem aves
das bandas da ribeira, canto trazem a notícia

da morte das sereias, já não precisa o herói
de segredos de ser amarrado ao mastro
para aprender que o sonho é a realidade

a sabedoria e o amor, que Penélope
já não está encerrada em casa de mãos presas
ao tear, o dorso vergado ao sol

que nasce e se põe em cada dia
já não há sombra nem esperança
eis Olissipo que se eleva da claridade do rio

Rui Miguel Duarte
19/11/2015

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

MARIA AOS PÉS DE JESUS

“da sua lingua fluía um discurso mais doce que o mel”
Ilíada 1.249

da tua língua fluía a água
que abria as nuvens
o som de muitos anjos
sobrepondo-se-lhe a tonalidade
distinta da voz que fala da vida
da vida cheia de Deus

dos teus pés fluía o vinho
submergindo os meus pés
o meu colo o meu peito
até dentro do meu coração
onde cinza, que foi depositada e cala,
ganha a espessura da terra que espera
a semente e depois desta o arado
em silêncio

da tua voz fluía o mel
nenhum outro se lhe compara
quem o bebe, dizes, a melhor parte bebe,
ao prová-lo, sou uma ave
cujas asas são amor

Rui Miguel Duarte
9/10/15

Johannes van Vermeer, Christ in the House of Martha and Mary

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A MÃE



Os filhos não são um eu separado das mães
Com elas ao nosso lado nós tínhamos
Um útero, um cordão
De ouro invisível, com elas ao nosso lado
Sabíamos a origem das coisas, de onde viemos
Do seu ventre encanecido, com rugas brancas
Como os cabelos, com as mães ao nosso lado
Nós tínhamos uma certidão de nascimento.

05-09-2015
©  João Tomaz Parreira 

      

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

SALMO 150 PARA ORQUESTRA


São os dedos que louvam, procuram entre as cordas
A linha que separa o céu e a terra, um fio
De água pura que sai do sopro nas flautas.

Daí-me uma harpa doce e com ela sararei
Os ouvidos nas paredes do templo,
Um dulcimer cristalino 

Que na subtileza do som é um castelo forte, 
Para afastar os inimigos que minam a alma.
Daí-me o brilho dos olhos dos irmãos

Quando ungem os seus lábios num cântico.
Daí-me címbalos retumbantes 
Com eles racharei os muros do silêncio.


29-05-2015
© João Tomaz Parreira 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

ÓCIO NEGÓCIO



“na interminável busca por vestígios de pó”
Margarida Campilho, Roma amor

interminável Marta, Marta,
arrastando diante de ti toda a terra
é o vestígio que buscas
debaixo do móvel
debaixo do tapete
debaixo de tudo
debaixo de ti, Marta

até à mais infenitesimal partícula
que buscas que inventas, de cada uma fazendo
um negócio um salário pois trabalhará o Homem
até à mais infinitesimal gota de suor do seu rosto

descobres e inventas, em cada coisa que trabalhas
a decomposição do átomo, e cada um decompões Marta,
e assim trabalhas até o teu próprio nome
M-a-r-t-a, M-a-r-t-a

e nisto dispões taça a taça a honra
que me ofereces no vinho, no cansaço
das ondas que batem continuamente
do mar da Galileia, tantos são os teus cuidados
para com o teu convidado,
sentado à cabeceira do jantar

isto basta: buscar aos pés do Mestre
as palavras que reinventam o mundo
sentada, Maria é a alma do ócio

Rui Miguel Duarte
9/07/15

quinta-feira, 9 de julho de 2015

MEDITAÇÃO DE ADÃO DEPOIS DA QUEDA

“Und wo wir Zukunft sehn, dort sieht es Alles
und sich is Allem und geheilt für immer”
“E onde nós vemos futuro vê ele Tudo
e a si no Todo e salvo para sempre”
Rainer Maria Rilke, in Elegias de Duíno 8 (original e tradução de Maria Teresa Dias Furtado, Assírio & Alvim)

Não queria sair do Paraíso. Por isso
quis ver Tudo da copa da árvore.
quis ser mais alto e sobretudo permanecer
caso me faltasse a mão para abarcar toda
a visão, todo o espaço do Jardim feito concha
pelos rios que correm sem nascente nem foz.

Ausente da brisa do crepúsculo,
que é o Teu rosto dado de frente
escolhi um vento com aroma
de um fruto dando de lado.

Há uma dor em mim que é a da aproximação,
quanto mais me chego a Ti mais me dói.
Ser ausente do que vi em Ti,
que vês Tudo, que és salvo em Ti
e eu em Ti nos Teus olhos
de sangue de animal manso.

Escolhi outro crepúsculo
um sol caído em outros olhos,
olhos de aproximação da cobiça
da vida ignorante de quão espesso
é o seu vazio, de que olhar
os rios do Paraíso, que são
a Tua presença,
é ver-Te ausentando-Te
e eu neles para longe
fluindo sem nascente nem foz.

Não queria sair do Paraíso mas possuí-lo,
não me chegava esta mulher que
me deste, só o ver-me Tudo
mais asa do que anjo
mais sabor do que fruto.

Mas foi ainda nas águas dos rios,
que são o que me resta do passado,
que vejo o futuro.

Rui Miguel Duarte
18/06/15

Originalmente publicado em Salmo Presente

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Lançamento: Antologia Poética ÁGUAS VIVAS - Volume 4


      Dois anos se passaram desde o último volume de Águas Vivas, já seis anos desde o volume inaugural. Antologia poética bianual que almeja reunir e proclamar textos de significativos poetas evangélicos da atualidade, Águas Vivas nasceu e manteve-se sempre sob o signo da diversidade, reunindo poetas jovens, iniciantes de voz promissora a outros já experimentados e consagrados; autores oriundos dos mais diversos rincões do Brasil, e ainda de Portugal, e de diferentes filiações denominacionais.
      Este quarto volume vem confirmar a vocação pela pluralidade de Águas Vivas: Temos aqui jovens poetas de riquíssima expressão como Patrícia Costa, Marvin Cross, Maria Isabel Gonçalves e Luciano dos Anjos, ao lado de vozes experientes expressas pela força lírica e devocional de Rosa Leme e Romilda Gomes, o doce sotaque cordelístico de Roberto Celestino e a poesia francamente social de J.F.Aguiar.
      Paul Celan costumava dizer que “a poesia é uma espécie de regresso a casa.” Outro grande poeta, o espanhol Pedro Salinas, referia a poesia como “uma aventura [rumo] ao absoluto.” Pois esse singelo e aprazível exercício rumo ao Absoluto, onde, por maneiras multifacetadas, cada autor (re)constrói sua trilha e funda(menta) sua singularidade, é o que você encontrará aqui, amigo leitor. E pensar que a poesia, há ainda quem o diga, ‘não tem função’. Mas, sintetizando as opiniões dos referidos poetas, acreditamos que, ao contrário, a ela cabe a função mais nobre: lembrar-nos do Absoluto, sendo a um tempo a ferramenta e o memorial; aproximar-nos de Deus, grande porto de conturbada saída e de graciosa chegada da aventura humana; enfim mapear, com sua cartografia do inefável, nosso retorno ao Lar uma vez perdido.
      É sempre com renovada alegria e senso de dever cumprido que trazemos até você, amigo leitor, um pouco da ótima poesia cristã produzida atualmente por nossos irmãos, que têm no verso a expressão de suas almas, a extensão de sua fé.

Sammis Reachers

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terça-feira, 26 de maio de 2015

JACOB DEPOIS DE DESCANSAR DO SONHO



Eu lembro-me bem da manhã porque as sombras
ainda não tinham nascido,
como se eu estivesse para morrer
ou tivesse um desígnio, o sonho
subiu pelas condutas do sono, como todos
até aos olhos por onde desperto foge para sempre.


A noite cheia de anjos,
anjos desceram e subiram ao interior dos céus.
Eu lembro-me bem da dureza da pedra, uma nuvem
debaixo da minha cabeça quando adormeci.


Eu sou um fugitivo para voltar depois
a esta terra onde, por entre as pedras,
das sombras se erguerá a Luz.
Esta terra que terá montes divinos
e vales não de penumbra nem de morte.


24-05-2015

© João Tomaz Parreira   

terça-feira, 19 de maio de 2015

Perante Deus


George Gonsalves


Perante Deus
só posso estar pobre, fraco e inculto;
com o rosto descoberto,
sem argumentos ou desculpas

Perante Deus
perco-me em Sua infinitude
para poder me encontrar
tal qual eu sou

Perante Deus,
Ser incandescente de amor,
lanço-me na doce esperança
de acolhida eterna

Perante Deus
quero estar em eloquente silêncio,
terna contemplação
e devotada adoração

Perante Deus descubro:
meus recursos são escassos,
minha justiça inexiste
e meus talentos nada são
  

sexta-feira, 24 de abril de 2015

ELA






“E a costela que Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher”
Gn 2,23


Ela  tem a força das minhas costelas
E a forma do meu corpo por dentro
Ela não conheceu o barro
De onde eu vim
Ela saiu da minha concha
O seu perfume sobe e desce ainda
No meu sangue
Até que a morte cale o coração
O coração reconhece-a,  é ela
O verão no meu corpo envelhecido
Que acordou do sono, ela é agora osso
Dos meus ossos, carne da minha carne
Ela é a fonte do meu riso.

23-04-2015

©João Tomaz Parreira

domingo, 19 de abril de 2015

FLUXO DE SANGUE

“Porque dizia consigo: Se eu tão-somente tocar a sua roupa, ficarei sã."
Evangelho segundo Mateus 9:21

Dizia comigo: há um rumo de sangue
que me conduz a ti o sangue que
ao correr repetidamente abriu sulcos
nas minhas lágrimas e erodiu a minha alma

dizia comigo: há um princípio de sangue
no meu e teu fim, foi ele o sangue que pintou
a veste branca, não da púrpura
dos senadores romanos
mas de um escarlate
que vem da medula
da dor animal

dizia comigo: há um trâmite de sangue
de troca por troca, de simples oferta e procura
de mim para ti
ai se soubesse não teria trocado tanto dinheiro
para ficar com o meu sangue, que afinal
insistia em me deixar as feridas insaradas

dizia comigo: há um fluxo de sangue
do teu e meu sangue, um rasto
de frutos silvestres espremidos
na orla do teu manto

Rui Miguel Duarte
18/04/15

quinta-feira, 2 de abril de 2015

DOIS POEMAS DO CICLO DA PAIXÃO




João Tomaz Parreira : 


PILATOS DIRIGE-SE AOS JUDEUS - IV


Eis o homem
que chegou aqui pelo valor mais baixo
que às vezes tem o beijo, o da traição
Este que chegou a golpes de chicote pelo corpo
e pelas faces em silêncio que oferecia
às bofetadas. Este que chegou aqui 
pelo crime de ser Deus
com uma cruz difícil sobre as costas.

02-04-2015
©



SALMO XXII NA CRUZ -III

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Salmo 22, 1


Coroado de sangue sem nada neste mundo
nenhum lugar agora é meu, reino
ou casa chamada de oração, nenhuma Nazaré
que amei e não me amou, agora
nem este monte do Calvário me pertence
a Cruz é a minha pátria, deixo cair sobre mim
toda a Humanidade.

01-04-2015
© 






quinta-feira, 26 de março de 2015

Hino à Loucura






Poema de Ricardo Mendes Rosa

Vivemos a vida de pernas para o ar,
sem ânsia de comer, de beber ou gastar.
Confiamos no ganho da providência,
procuramos morrer todos os dias
e viver eternamente.
Não vivemos pela força, nem pela arma,
procuramos ser como ovelhas simples.
Damos a cara à mão, tanto para o afago,
como para a injúria que levantam contra nós.
Somos simples na maneira de viver,
prudentes e sinceros.
Não vivemos para nós mesmos, como
quem esculpe uma imagem e se auto adora nela.
O mundo não é a nossa casa, nem a carne a nossa roupa.
A morte não é a nossa prisão, nem a doença a nossa cela.
Vivemos a vida de pernas para o ar,
na ânsia de algo que há-de acontecer.
Vivemos a vida e morremos,
na certeza de que para nós, morrer é viver.


28/02/2015

terça-feira, 10 de março de 2015

CALEB



“Há anos que escrevo o mesmo poema”
J. T. Parreira

Sou ainda o mesmo que fui outrora
ainda hoje os mesmos olhos
olham por dentro das mesmas pupilas
e procuram o mesmo infinito

há quarenta anos que sonho
o mesmo sonho
que este passeia pelo monte e lhe cria
um nome, Hebron,
e o soletra letra a letra,
como o nome de um amigo, com
o mesmo suspiro em silêncio

há quarenta anos que espero
então era soldado e lavava
a espada no sangue de gigantes
hoje lavo-a na chuva
que se acumula no vale

sou o mesmo rosto furtivo
à viragem do vento e recalcitrante
à passagem dos dias

há anos que escrevo o mesmo poema
que fala de promessas e de campos largos
e montes para conquistar
a mão do Senhor abrindo a minha
a pulso no papiro

os cabelos que hoje são brancos
já o eram então há quarenta anos:
embora mais longos

Rui Miguel Duarte
6/03/2015

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

PASTORAL



O bom pastor discerne as minhas pegadas de outras pegadas
Perante o modo como me julga, pouca importa
O tamanho do Oceano Atlântico ou dos Mares do sul
Com suavidade e a dureza
Dos seus ombros, vem ter comigo
Quando alguma coisa me empurra para baixo
Ou quando o medo cresce nas sombras, são suficientes
Os seus olhos sobre mim, são a arquitrave
Que suporta o peso do céu de um dia pleno de sol
Ou de tempestade.

26-01-2015
© João Tomaz Parreira

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A ODE DO PROFETA HABACUQUE




 Ainda que a figueira não perca o equilíbrio
Porque não tem figos, nem as vides mostrem o fruto
Da alegria, ainda que falhe
O azeite nas oliveiras, ainda que a vida morra
No rebanho e o silêncio ocupe o espaço dos currais
Espantar-se-á  o mundo com o meu prazer
Em Deus que fez a minha salvação
E na dádiva incrível de asas de corça nos meus pés.                                  

06-01-2015

© João Tomaz Parreira
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