domingo, 28 de agosto de 2011

O que Adão disse no Éden



Eating the peach, I feel like a murderer.
Henry Cole



Comer o fruto como um homicida
que se esconde atrás dos olhos fechados
Arrancar o fruto dos ramos como a noite
arranca a estrela cadente
para perdê-la
nas águas de um buraco fundo
Mergulhar o sabor do fruto
na corrente jovem do meu sangue
enquanto os dentes desferem
golpes letais na polpa
para aprender a ter fome
depois empurrar como uma pedra
meu próprio corpo
até à morte.


28/8/2011

Poema ínédito de J.T.Parreira

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Quase à Guisa de Bertold Brecht


Os donos da indústria bélica
louvam a destreza das máquinas
em seus partos desvairados
de canhões, morteiros, bombas,
fuzis, metralhas e lâminas
nos campos da guerra.


Aplaudem os genocídios,
freneticamente. Brindam à saúde
de suas contas bancárias.
Os donos da indústria bélica,
sem olhos para os órfãos,
sem tímpanos sensíveis
ao clamor lancinante
das noivas e viúvas.


Os donos da indústria bélica,
parceiros de corvos, de abutres,
brindam ao regozijo das trevas
nos campos de batalha,
a sorver na mais funda sofreguidão
o sangue dos mortos.


Joanyr de Oliveira
in Tempo de Ceifar (2002 Thesaurus Editora)

domingo, 21 de agosto de 2011

ΤΕΤΕΛΕΣΤΑΙ (TETELESTAI)


“Tudo está cumprido.”
Evangelho segundo João 19:30

Para sempre se desfizeram
os equívocos dos espelhos
para sempre ficaram em branco
os velhos teares

cobriram-se de pó
as mãos que acendiam a chama
o ar mudou no coração
do eclipse

deixou de ser possível
continuar a percorrer
os extintos valados
já não são navegáveis
as águas de outrora
tornaram-se salobras
na pele

de espinhos cravados nas pupilas
sentimos escorrer pelos dedos
no suor e no sangue
o fim
o necessário fim

22/08/11

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Árvore





Ela não sabe entre o bem
e o mal
ela pousa desnuda, no Paraíso
e tem folhas que ensombram
onde os olhos passam
o medo
é a flor do seu fruto que se esconde
entre a ramagem.
 
19/8/2011
 
Poema inédito de J.T.Parreira




segunda-feira, 15 de agosto de 2011

FÁBULA DA ESPIGA



A espiga tinha de se mostrar
ao sol de esquecer o passado
os dias da semente 
e as noites do caule

tinha de crescer de cortar 
rente o sono de abandonar
no chão a sua névoa 
e seguir com o vento
tinha de conhecer 
o segredo do céu

mostrar-se ao sol
e seguir com o vento
era-lhe necessário 
assim faz o ouro
e à espiga restava
aprender

tinha apenas
de rasgar o tegumento 
e para lá do restolho

ser


Rui Miguel Duarte
13/08/11

PARÁBOLA DA SEMENTE




A semente saiu da mão
partiu para onde a levasse
a ausência de asas
pois não foi destinada
a ganhar raiz
nos bicos dos pássaros

rumou para uma terra qualquer
mas não foi destinada
a perder-se no anonimato
dos espinhos
nem a fundir-se com o sol
nas pedras

ao ser lançada, foram-lhe
dados pela mão ângulos no voo
e assim partiu ela incendiada
no vento por uma terra, essa terra
que a escolhesse,

a semente partiu da mão
e encontrou quem lhe desse
raiz um leito e água
onde ela morreu, sonhou
e a sua alma subiu
com carne de árvore

Rui Miguel Duarte
12/08/11

sábado, 6 de agosto de 2011

CEGO



o dia estava tão belo
e ele não o podia ver
os dedos estendidos 
levavam os olhos e procuravam
estrelas à vista desarmada

o mundo era tão belo
povoado de árvores,
rios e sombras
e ele não o podia ver
nos olhos que lhe restavam
projectava pessoas às cores
que podiam ver
os ouvidos teciam ventos
e seres voláteis que pousavam
na sombra do seu ombro

ele não podia ver
ele era uma dessas sombras
do dia e do mundo
que ele podia ver
mas que não o podiam ver

Rui Miguel Duarte

5/08/11

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O CONSTRUTOR

Poema inédito de J.T.Parreira


“Se o Senhor não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam”
Salmo 127, 1


A construção vem de cima
escava-se
nos alicerces do céu
começa para lá do algodão
das nuvens, desce nas colunas
de mármore desde o azul, sem ruído
O Construtor toca com o arco
do violino celeste
de lápis-lazúli e edifica a nossa casa
desde o universo.


2/8/2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Guadalcanal




Tudo ao meu redor
Jaz sepulto sob um
Epitáfio
Uma palavra que resume
Tudo em si

C O L A P S O

Quanto a mim,
Não desvio meus olhos de Ti,
Amanhecer
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