quarta-feira, 25 de maio de 2011

Rima LIII, de Gustavo Adolfo Bécquer

Voltarão as escuras andorinhas
a fazer seus ninhos em tua varanda,
e outra vez com a asa em tuas janelas
batendo chamarão.


...Porém, aquelas que em voo reprimiam
tua formosura e contemplavam minha sorte,
aquelas que apreenderam nossos nomes...
essas... não voltarão!


Voltarão as coloridas madressilvas
de teu jardim os muros a escalar
e à tarde, outra vez, ainda mais formosas
suas flores se abrirão.


Porém, aquelas cobertas de sereno
cujas gotas olhávamos tremer
e cair como lágrimas do dia...
essas... não voltarão!


Voltarão do amor em teus ouvidos
as palavras ardentes a soar;
teu coração de seu profundo sonho
talvez despertará.


Porém, mudo e absorto e de joelhos
como se adora a Deus ante seu altar,
como eu te tenho querido, desengana-te.
Assim... não te quererão!



Tradução de Florbela Ribeiro

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Dá-me Apenas


Da porção do teu dia
dá-me
dá-me apenas
do que da mesa sobeja
migalhas
poucas que sejam
servirão
para amaciar
a dor
de quem mendiga
uma só
palavra tua.

Florbela Ribeiro ®

domingo, 22 de maio de 2011

INSTRUÇÃO DO JEJUM

“Mas tu, quando jejuares, lava a cara e penteia-te bem.”
Evangelho segundo Mateus 6:17

quando jejuares jejua
como se estivesses farto
quando fizeres tudo
faz tudo como se cantasses
sofre como se festivo fosse o dia
sem espaço para o ar que as janelas
abertas te oferecerem
jejua como se tivesses a casa cheia de pão
e o coração pleno de pássaros
soltos em pleno voo

de rosto lavado
do sangue da véspera
e da água morta da noite
Deus conhece a fome esconsa
do teu rosto que não seca a flor
mesmo que assim o pareça
é a mão de Deus quem lhe apura
os perfumes

22/05/11

sábado, 21 de maio de 2011

AINDA NÃO

“A minha hora ainda não chegou”
Evangelho segundo João 2:4

ainda não é a hora
de secar a chuva
para dar água às lágrimas
de deixar a mesa para o zumbido
das moscas ao cabo das vozes
partidas no silêncio

ainda não é a hora
de verter o sangue
a cada palavra
dos meus lábios
transpor a floresta densa
de cada oração
e cantiga de amor

ainda não é a hora
de interrogar
a porta da noite
com a mais premente
das interrogações
saber se por trás dela
ainda nascerá o sol
ainda haverá dia

17/05/11

domingo, 15 de maio de 2011

Sozinho no Getsémani, inédito de J.T.Parreira

“A minha alma está profundamente triste até à morte”

Jesus Cristo


Fiz sozinho as minhas pegadas
até aqui
e o veludo da noite pousando
nas pedras limou as arestas
a minha angústia vertendo gotas
pela minha fronte
meus olhos sozinhos
palmilhando o céu deixaram pegadas
cada anjo alheou-se de mim
na noite a transbordar de estrelas
como um cálice
nesta noite como a água
de sombras de um poço imenso
fiz sozinho as pegadas
da agonia na minha alma até aqui.


14/5/2011

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Hóspede foi para mim palavra...



Fina Garcia Marruz (Cuba, 1923)

Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana 2011



¿No sentías que ardía tu corazón
cuando nos hablaba de las Escrituras?

Los peregrinos de Enmaús


Hóspede foi para mim palavra misteriosa.
Hóspede é o que vem de muito longe,
de alguma aldeia que nunca será vista.
Hóspede é o que vem pela noite,
bate a aldraba da porta e todo
o umbral resplandece como neve.
Hóspede é quem se senta à nossa mesa
só por uma noite, e não chega
o tempo para ouvir o que diz a sua boca.
Hóspede é aquele que alegra com seu rosto,
e alumia com suas mãos o nosso pão,
e não alcançamos recordar seu nome.
Hóspede é o que há-de partir, na madrugada.


(Tradução de J.T.Parreira)
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...