terça-feira, 10 de agosto de 2010

Autoexortação

3

Eu sei que percorreste distâncias
em dias tão causticantes;
que galgaste estradas sozinho -
sei das vezes sofridas da caminhada,
que também, dentre outros,
neste mundo enfim,
sentes perenemente a dor.
Conheço-te e sei o que é o teu pesar,
o que te tem entediado até:
mas que te quiseste enlaçar, quiseste.
Não lutaste quando devias
e foste correndo em direção
aos laços que hoje te oprimem.

Porque te atraem as luzes,
esses brilhos fugazes,
essas ruas de fulgor efêmero,
essas belas coisas
que teus olhos veem
sem perceber que são
apenas miragens:
vives num deserto
onde não há senão a beleza da areia,
beleza louca, pois inconstante,
volúvel como tudo o mais.
E como tu...
Como tu somente...

Tu procuraste cavar sepulturas
quando havia campos
onde semeasses...
havia desespero e dor,
havia sede ao teu redor.
Ah, tu, que tudo tinhas
e na mão retinhas
a resposta que receberas,
retendo-a tão-somente
nem para ti.
Quando se te clamava,
negavas ser forte
e matavas milhares,
e te matavas a ti.

Agora,
põe-te aqui diante de mim
e esvoaça.
Liberta-te para
circulares por mim.
Então tu verás
este meu ser circunscrito,
minha apoteose infrutífera.

Deita de lado o que
vês simplesmente.
Restaura-te,
instaura em teu ser
o compreender que transcende,
que ultrapassa
os limites da mente.
Busca até já não poderes ver.
Eleva-te acima
da tua mediocridade,
e arrasta-te se não puderes
sem ela caminhar.
Mas vai-te ao encontro
do que vires
e cessa de te ateres
ao teu mero esquadrinhar.

De Fabiano Medeiros (1988)

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