sábado, 31 de março de 2012

TINTO


en tinta púrpura

da prensa escorre o poema da vida”

Ramón Blanco

esmaga a uva
até lhe retirar a tinta no palato
os dedos contam as gotas
que escorrem devagar
ao batimento de cada raio de sol

enquanto a aranha tece
a mortalha para a mosca
as pipas e tonéis abrem-se
de espanto para a nota rubra
de frutos silvestres
que sairá da obra de desespero das suas mãos

então, o que esmagou e matou
no lagar, lugar onde são as promessas geradas,
é o que dá a vida aos homens
é o sangue, pelo qual navega
tudo quanto resgata
ao adormecimento dos lábios
e tece na língua um poema tinto
de final longo

1/04/12

sexta-feira, 30 de março de 2012

Sobre a família e o Amor maior


O grande Coração

Estranhamente pequeno,
é tão largo e vasto o coração:
vaso de esconder tesouros mil,
ventre de abrigar a muitos fios...

Em seu âmago, a venturosa que me deu,
de raça, garra, coragem e verdade,
o amor dos amores, meu bem-querer.
Tudo isso meu coração
abarca sem explodir
e muito mais...

UM
Em seu regaço, o riso maroto dela,
a pele tênue, rósea, salutar,
um abraço franco e magricelo.
Tudo isso meu coração
comporta sem estourar
e muito mais...

DOIS
Em seu esconso, o ar de quem inquire,
o desbravamento constante dele,
a doçura terna e firme a me buscar.
Tudo isso meu coração
carrega sem romper
e muito mais...

TRÊS
Em seu fundo, a alegria, a expansão,
o agitar profundo das minhas serenadas,
o sorriso maroto, melindrado, que ele traz.
Tudo isso meu coração
transporta sem extravasar
e muito mais...

QUATRO
Uma jaboticabinha, articulada,
uma Emilinha de canastra e intrepidez,
com sua graça e sua coragem.
Tudo isso meu coração
vai sem se apertar levando
e muito mais...

Meu pequeno coração
encontra assim todo esse espaço,
comporta e ama a tudo isso,
a todos esses,
amor, amores, amada, filhos,
e muito mais...

Tudo também
um vislumbre iluminado
de que Deus me pode amar, com
meus jeitos e meus gestos,
meus fracassos e insucessos.
Deus já tem em seu imenso coração
um espaço para
me abrigar,
me perdoar,
me corrigir,
me receber.
Assim como a vocês.
E muito mais...

De Fabiano Medeiros (março de 2012)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Sobre as experiências




O presente do passado

Não permitas que as lembranças
do passado que não volta,
que hoje te assaltaram... 

     (encapsuladas naquela gota transluzente
     concentradas naquele odor de terra após a chuva
     transportadas na visão do céu plúmbeo
     refletidas na contemplação do vento a roçar a face das árvores
     reverberadas no fragor confuso das vozes
     retumbadas no burburinho das alamedas)

... não te sejam hoje como um souvenir
nem que te amorteçam a esperança
nem te esmoreçam em teu presente

Antes te façam relembrar
que o passado é mesmo um regalo de Deus 
se bom ou ruim para ti:
sempre para teu bem!

Pois que a boa lembrança
não gere saudade melancólica, mas afeto, ternura e gratidão
e a má lembrança
te faça mais generoso e perdoador
com o senso vívido
de que o passado vivido
é sempre um presente do Céu,
para o teu ontem, para o teu hoje, para o teu amanhã.

De Fabiano Medeiros (março de 2012)

terça-feira, 27 de março de 2012

OUTRA JERUSALÉM

“Construam casas para nelas habitarem; plantem hortas e comam do seu fruto.”
Jeremias 29:5

disseram-nos 
que construíssemos casas 
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista 
aí, dia a dia, faríamos amor 
até bisnetos nos nascerem 

disseram-nos 
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros 
não haveria que estancassem 
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria

e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra 
é outra Jerusalém

26/03/12

O CERCO DE JERUSALÉM



Poema inédito de J.T.Parreira



Jerusalém, o vento
não fará das nossas pedras sandálias
a beleza das pedras
será como algodão no ar dos nossos sonhos
cada vez que os nossos olhos perturbados
caírem sobre elas
Jerusalém, coração do mundo
o nosso sangue escureceu
as pedras, não se tornou neve
nem cinza, o nosso sangue
como o ocaso, espera em lume
o novo dia, nossas janelas
abertas nas pedras dão já para esse dia.

26/3/2012


segunda-feira, 26 de março de 2012

BABILÓNIA

fora do mundo
descobrimos que há mundo
que há jardins e palácios
para lá do deserto
e também rios de águas vítreas

que para lá do choro e do riso
também há riso e choro
e que as lágrimas não são as últimas coisas
que derramamos
e que também aí a alegria se purifica

nunca imaginámos
que os caminhos do Senhor fossem
tão vastos e que o vento
levasse tão longe o aroma
do figo maduro

26/03/12

sábado, 24 de março de 2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

MEDITAÇÃO SOBRE O SALMO 137

 recostamos os joelhos à beira dos rios
da Babilónia, os rios onde nem
os pés lavamos da marcha desde Sião,

mas os pensamentos vão lavados
e perambulam como corças
pela nudez acre da nossa terra
esfolada
perguntando aos rios se
haverá ainda por lá salgueiros em pé

é que nos arrancaram dos olhos
os contornos de Sião
e despojaram os nossos ombros
do linho de Jerusalém,
e nus nos deixaram
sem a túnica santa e branca que vestíamos
ao sábado

se de ti, Sião, a memória se escoar
nestas águas estranhas
que os dedos da minha mão direita
percam o tacto sejam como fantasmas
nas cordas da harpa

19/03/12

quinta-feira, 22 de março de 2012

SALMO 137 EM PORTUGUÊS MODERNO

Não invocámos pequenos prazeres
junto aos rios da Babilónia
nas margens havia salgueiros
e neles pendurámos nossas lágrimas
nem pequenos passeios
de barco, no sossego das águas
aos sábados
pendurávamos a vida

nesses dias à beira dos rios
da Babilónia, imóveis
só tomávamos o ar.

21/3/2012

J.T.Parreira

terça-feira, 20 de março de 2012

Eterno enquanto dure



O tempo passa

Amor, senta
na soleira da porta,
descasca aquela tua laranja.
O tempo vai passar!

Deixa o sol
incidir seus raios.
O cão te lamber os dedos.
O tempo vai passar!

Hoje meu pai passa.
O tempo passou
tão rapidinho,
que eu parece que
perdi aquela
visão de tempo largo,
infindável,
espesso e aconchegante.
E foi tudo num segundo
num piscar
num estalar.
O tempo já passou.

O tempo passa.
Agarra os meninos.
Pendura um ao pescoço.
Se rola pelo chão.
Chuta aquela bola.
Entra no castelo de princesa.
Monta as garagens para
os carrinhos de ferro.
O tempo vai passar.

E a gente que não
segurar esses meninos
logo passa.
Volta a ser menino.
E eles já passaram
a envelhecer.
Porque passa,
passa tudo, passa.
Rapidinho passa.

Só o tempo não envelhece...

De Fabiano Medeiros (2011)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pai



Eu preciso tanto de ti
Eu preciso sentir a cada dia
A força e a coragem
Que emana da nobreza do teu carácter
Eu preciso sentir
A sábia envolvência da tua voz
Os teus conselhos
A chave mestra
Com a qual me abres
O entendimento
E a visão
Para a realidade de um mundo
Sem artifícios.
Pai
Eu preciso tanto de ti
Do refúgio do teu colo
Do teu abraço que afugenta de mim
Tanto as mágoas como os medos
Pai
Eu preciso da ternura balsâmica
Que vertes sobre meus cabelos
Esse gotejar constante de afagos
Que me cura as feridas
E atenua as marcas
Que vida impiedosa me faz ao passar
Pai
Eu preciso tanto mas tanto de ti

Março 2010

Florbela Ribeiro®

domingo, 18 de março de 2012

Réquiem para Uma Prostituta de Meu Tempo

Pós-Modernidade
Sepulcro de santos e musas
Já me trituraste
na moenda de tuas literaturas,
envenenaste-me
com o fel laicizante de teus seios, a litania
de teu caos

embebedaste-me no meu dia mal,
lançaste-me em tuas paredes
de artes abstratas e relatividades
& sevícias
em minha fraqueza chutaste-me
as costelas com tuas pontiagudas
sapatilhas de dominatrix

mas ah! deusa vã,
Semíramis suicidada,
nem com toda a tua sanha cibernética
alcançaste matar-me
o sol romântico que em meu peito pulsa
tua dialética não logrou desconstruir
como Samá no cimo
daquele campo de lentilhas, eis-me aqui

relativizaste a Lei e vomitaste sobre a Graça,
mas saiba que no inferno não subsiste
relatividade alguma,
apenas encarceramento em fogo
adstringente-anelante-massivo
ruidosamente teu

olhe em meus olhos negros, espírito imundo
acesse a tua própria memória genética,
lembra-te de mim, dos nomes invisíveis
que em meus genes fremem
e contra ti solfejam em si bemol
a ária de Gideão, o brado retumbante

sou Josué e Leônidas, Péricles e Davi

meu punho direito nomina-se Atenas,
meu punho esquerdo é para sempre Esparta
minhas asas são o Livro de Cristo
e o meu coração é o de um mosqueteiro

ciberdemônio súcubo de sexo
e cápsulas de ecstasy
solta o meu braço, Messalina antropofágica
arreda de mim os dedos teus ressequidos
de niilismo, Górgona vampira...

Jezabel, Inversão, Vazio
Trago em meu alforje um mistério a compartilhar-te,
cabala para embalar teus pesadelos midiáticos:
antes de nós ambos nascermos
morreste tu em Sião, vencida, esmagada
num rude madeiro,
madeiro rude o mesmo
onde eu fui ressuscitado

sou uma criança e um servo e
um soldado e um
príncipe
para o meu Amado
                              não, não me toques

Mas olhe em meus olhos negros, ó aborto de Lilith:
é neles que eu trago o teu sepulcro.

Sammis Reachers

segunda-feira, 12 de março de 2012

Dois poemas de J.T.Parreira

A RESSURREIÇÃO DO MEU SENHOR
Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei”
Jo 20,15

As especiarias chegariam na manhã
fora de tempo, outro perfume
já do Lírio dos Vales rescendia
Ao encontro dos lençóis dobrados sem um corpo
certas mulheres
levavam os aromas da tristeza
deixaram a manhã ir crescendo no caminho
no chão nas casas no horto
agora o corpo do Senhor era um segredo branco.

6/3/2012



SALMO LEIGO

Por vezes, penso em Ti como o topo
da minha montanha, outras como um vale
onde o sol
vai deixando vestígios de sombra
purifico os meus pulmões com braçadas
de ar puro dos montes, vou atrás de mim
no vento infantil, que toca e foge
nos vales
não preciso de subir às Tuas mãos
elas me carregam, nunca as vi
fazerem-me adeus de longe.

5/3/2012

(c) João Tomaz Parreira

terça-feira, 6 de março de 2012

SEGREDO

Uma árvore tem sempre esperança; mesmo que a cortem, brota de novo e não pára de produzir rebentos.
Job 14:7

deixa-me contar-te,
criança velha,
o segredo da árvore

sempre de pé, mesmo quando
lhe deitam o tronco
e os ramos são separados do sol
mesmo quando suspendem
o abraço com o qual te consolavam
vegetal, e por isso
tão rente à terra

criança velha,
da árvore eis o segredo:
a raiz sempre permanece de pé,
apegada à fertilidade
do silêncio

6/03/12
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