segunda-feira, 12 de outubro de 2009
ESCUDO DA FÉ (AOS EFÉSIOS 6:16)
Conta o poeta Arquíloco que em certo dia de áspera peleja
largou o escudo em terra
e correu e correu
e ficou a vê-lo nas mãos de uns brutos
que o miravam e remiravam e giravam nas mãos grotescas
essa bela peça de topo de gama
de tecnologia de ponta
do armamento táctico-defensivo
e os ombros encolhidos da vergonha logo se expandiram
em risos de desprezo:
– Quero lá saber! Posso comprar outro pelo mesmo preço.
A cobardia vestiu-se de prosápia!
O poeta Horácio ao que parece
repetiu o gesto do seu mestre
em outro dia de rude luta.
Com quem queres aprender, soldado?
Porque soldado és
Vais ficar sentado no simpósio do sofá
e mergulhar
os olhos
e o nariz
em copos de cerveja
mordiscar tremoços
e ver a bola?
Ou como certo dia o poeta e rei David
debruçado do despreparo da varanda
a contemplar e contornar as famosas e formosas
curvas da mulher do vizinho?
É-te pesado o escudo? Não és digno de portar o estandarte
nem de calçar
as botas cardadas de soldado
que possuem o território inimigo com a palavra da paz.
Deixas o escudo no chão sobre os estilhaços e sangue dos teus camaradas?
Ou em casa, num canto secreto
do sótão escuro da infância
e do medo?
Viras o dorso às goelas rugidoras do leão?
Enquanto lá fora ferve o furacão?
A guerra, soldado, está aí
bate-te à porta com manápula de ferro.
Qual incêndio florestal
mais voraz
do que o abismo chega à tua tenda.
Não sabes que a seta do inimigo te perfurará
a cota de malha
e a tua carne à lâmina
será manteiga?
Julgas que fugirás?
Como ao dia claro se sucede
o arcano da noite
a guerra obrigatória vem.
O teu peito nu
inchado de prosápia ou tolhido de cobardia
estalará
e pela fenda o coração ser-te-á
roubado, soldado,
e com ele as saídas da vida.
Não há fronteira
nem rio outra margem
para onde mires o salto.
A guerra vem.
Que general e que exemplo seguirás?
Mira as mães da Lacedemónia
que ao retirarem cuidadosamente
os escudos do prego na parede
onde se cansavam de estar pendurados
os entregavam aos maridos e filhos
na despedida para a guerra
com alma de leoas
sem um beijo nem uma carícia
nem com voz de lã
severíssimas:
– Volta com ele ou sobre ele!
Toma, soldado, na mão
o escudo da fé
pés no chão
corrida contra o inimigo
vai e volta
não sem ele nem sobre ele
mas com ele.
Rui Miguel Duarte
Herserange (França) 11/10/09
publicado igualmente em A Ovelha Perdida e Neaktisis
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