quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Irmão Argos


O Irmão Argos

Moramos próximo à praia onde,
sempre que faz-se possível, estamos.
Minha filha Lorelei então brinca
Com nosso cão Argos
- Rolam na areia e empurram-se e
Irmanam-se -
E isso é um espetáculo e descanso
Para meu estresse urbano-acinzentado.

Mas o verdadeiro fato singular
Dá-se apenas quando a segunda-feira
Como um aviso prévio e lembrança aziaga
Não me arrebanha de antemão com seu chamado
Urbano-acinzentado,
E tardamos na praia até o pôr do sol:

Argos desprende-se de nós,
Sua familiar despelada matilha
E sobe para uma alta duna
À oeste da praia, e fica de lá
Olhando para a barra, para o horizonte
Onde um amálgama antigo funde
O céu com o mar.

Ele não olha o pôr do sol como o resto da família,
Mas sempre em direção diversa.

São minutos silenciosos (Lorelei
É pequena e a duna é distante:
Não deixamo-la subir até lá).
Ele assenta-se solitário e observa e observa
Apenas, enquanto o sol a despencar
Doura a pele frágil do mar.

Entendo o cão, irmanamo-nos nisto:
Ele também aguarda um Retorno.
O retorno de Alguém que, ele parece intuir
Ao ver o declínio solar,
Um dia virá,
 Em lugar do sol.

Ele virá, irmão Argos.
Estejamos ataviados.

*Poema livremente inspirado pela leitura do belíssimo texto ‘Lampo, o cão que andava de trem’, de uma edição de 1981 da revista Seleções do Reader’s Digest.

**Veja como um poema pode ofertar diversas leituras: falo aqui claramente do retorno de Cristo; mas deliberadamente nomeei o cão como Argos, que é o nome do cão de Ulisses. Depois do herói homérico passar pelos dez anos de desventuras da Odisseia, e finalmente lograr retornar ao seu lar, onde a família o esperava, o seu cão Argos foi o único a reconhecer o viajante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa construção Sammis!

John

Sammis Reachers disse...

Obrigado pela apreciação meu amigo John!

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