sexta-feira, 25 de maio de 2012

ESPINHO


“… um espinho, um enviado de Satanás para me atormentar…”
2 aos Coríntios 12:7

cravado um espinho me foi
na língua uma ponta cuja ponta
é o veneno por dentro do paladar
o hálito do anjo da negritude
uma textura acre
que reúne contra mim
num só golpe todos os golpes
e açoites do mundo

cravado na língua e revolvido
na carne como o punhal
no ventre do inimigo
que só nessa hora
se aprende a conhecer
de tão perto que os olhos
de uns nos do outro se vêem

pensava que com língua
amortalhada seria impossível dizer
os poemas da minha vida
que são a incessante forma
de o coração dentro dos escombros
do peito saber ser generoso

mas subitamente
elevado à morada mais longínqua
do céu sem corpo talvez sem sonho
aprendi que nenhum espinho trava
a língua antes mais a adestra
na cadência da palavra proclamada
na disciplina da graça

Rui Miguel Duarte
25/05/12


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