sábado, 12 de junho de 2010

Sobre a morte e a vida eterna

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É definitivamente a morte
este encontro comigo mesmo,
onde me não mais fugirei
e conviverei comigo mesmo
na sepultura?

Eu a sinto tão pungente
ao meu lado,
tão forte quanto a própria vida.

A circundar-me os segundos,
a passear comigo pelos parques,
pelas calçadas, pelas esquinas...

Quanto te beijo é morte que sorvo.
Teu beijo é vida que me prepara à morte.
Teu sorriso, teu olhar...

Dissabores, perplexidades
venturas e amarguras
que me urdem teia perecível...

Por isso vago indeciso
sem saber se ao final de contas
me valerá o que houver construído,
se inesperadamente surpreendido
na vida por uma morte geral...

(Sim, pois morrer morro sempre, dia a dia:
morro desejos, morro formas,
cabelos e unhas.
Morrem-me lembranças,
me morrem venturas.

Me morre teu cheiro nas narinas —
Ai! este cheiro que eu não queria esquecer...

[E vou todo morrendo tanto em coisas tantas
que ‘inda me resta saber o que me resta morrer!]

Pois o teu cheiro era o cheiro da fumaça no vento
era o aroma capitoso de meus frascos
e até das árvores incumbentes
tinha uma nota de coração...

E enquanto o retive em minhas narinas
tu estavas em tudo o que exalava.)

Falo, porém, da ruptura, a morte geral,
peremptória e imprescindível...

Quero ter então a alma
intocável
intimerata
indevassada
intimorata,
para que a morte
me não surpreenda
de todo morto.

Apresentarei minh’alma
salva por Outro
como garantia
de que bem vivi.

Pois meu zelo, meu esforço
minha obra
apodreceu...

De Fabiano Medeiros (1988)

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