Um dia igual a tantos outros, ou talvez não
Observem o que cidade transmite aos nossos olhos:
Sombras que deslizam e máquinas que correm
Para a sua própria glória.
Os cotovelos das pessoas têm pressa
E os passeios são buracos de agulha
Para um vaivém constante.
Entre os cumprimentos de cortesia habitual,
Trocam-se os votos de um Feliz Natal.
E eu, seguindo à risca o rito,
Repito a saudação que à D. Gertrudes cabe
- Vendedora do mercado para lá de quarenta anos,
Que em resposta diz que a celebração jamais será feliz.
Intrigada, paro mesmo ali, na torrente da calçada
E fito-lhe o rosto envergonhada:
- Meu Deus…como a pobre mulher envelheceu,
Ainda não me tinha apercebido que o sorriso
Deslumbrante
Que a cada manhã lhe emoldurava o rosto
E brilhava na praceta, então murchara
E no olhar outrora luzidio pairavam névoas...
Questionei a razão daquele desabafo
E a descrição que ouvi petrificou-me
O amigo e companheiro de jornada
Há 10 meses que a abandonara
E até o pequeno Tareco morrera
No mês passado atropelado
- São os desígnios do Alto… suspirou a conclusão.
Atónita, lamentei o sucedido e em seguida censurei-me:
- Como foi possível não me ter apercebido de nada
Em tantos meses?
Só que a agitação da vida é mesmo assim,
O constante corre-corre, não nos permite dar
Atenção a nada nem a ninguém...
Mas… será esta a verdadeira conclusão
Ou seremos antes nós que nos tornamos insensíveis
Á imprevista dor alheia?
Àquela dor que de tão perto nos rodeia
E que, por uma razão ou outra,
Não vemos ou nos recusamos a ver?
Sem mais delongas, abracei a sua mágoa
E esqueci-me da pressa
Dos compromissos, das horas marcadas
Da vida, da minha própria vida
E de consciência desperta e arrependida
Despi-me do meu hábito usual
Despojei-me da hipocrisia
Até do comodismo,
Da indiferença
E da apatia…
E choramos unidas num abraço.
Ela, pelo infortúnio, pela saudade
Eu, de tristeza ao recordar o mandamento:
“Ama o teu próximo como a ti mesmo”.
Quebrantada e arrependida agradeci a Deus
Que na Sua misericórdia excelsa
E imérita bondade
Fizera renascer em mim
O espírito verdadeiro do Natal.
Dezembro de 2010
Florbela Ribeiro
Um comentário:
Mais do que um belo texto de época, é um belo texto da vida, dos sentimentos, que na quadra natalícia teimam em surgir.
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